sábado, 15 de dezembro de 2007

Preconceito Lingüístico & Conhecimento

Afinal, quem é que não tem conhecimento?

Regina Alves da Silva
SILVA, Regina Alves
Resumo
O artigo propõe uma reflexão sobre o preconceito lingüístico e o conhecimento, levando em conta que um traço característico da sociedade contemporânea é a concorrência, favorecendo a formação de preconceitos.Neste contexto, podemos observar que vários fatores socioeconômicos e históricos contribuem para a linguagem padrão e não-padrão e muitas vezes com a discriminação lingüística esses fatores acabam sendo desconsiderados e a linguagem padrão acaba sendo privilegiada, pois é considerada a linguagem de quem ocupa melhor posição na hierarquia social, menosprezando as outras variantes da língua.Não reconhecer a realidade do falante é o mesmo que ignorar o conhecimento do indivíduo, o que acaba sendo um erro por parte de quem não leva em consideração esse ponto, porque não utilizar o português padrão não significa que a pessoa não tem conhecimento ou tem pouco conhecimento.
Palavras-chaves: Conhecimento. Preconceito Lingüístico. Sociedade.
Introdução

A língua existe porque há seres humanos que a falam. O homem e a linguagem estão ligados pela necessidade que o ser humano tem de expressar as suas idéias de forma objetiva, utilizando a linguagem.
Comunicar-se não é algo que só podemos fazer utilizando a gramática, não é só falar “certo” ou “errado”, considerando alguns padrões lingüísticos. Falar é expor idéias com um determinado objetivo, pois o importante é interagir socialmente, lembrando que cada falante possui um tipo de realidade e conhecimento.
E não considerar o conhecimento do falante é cometer o erro de não levar em conta o contexto social, histórico em que ele vive, o que causa distorções, contribuindo, no caso do Brasil, para o preconceito lingüístico no país.
Para discutir esse tipo de preconceito que ocorre não pela falta de conhecimento de quem fala o português-não-padrão, mas pela falta de conhecimento de quem comete o preconceito, o artigo propõe uma reflexão comentando a valorização do português padrão, a pluralidade cultural do país o papel da escola na formação de um cidadão crítico com relação à sua língua e possíveis saídas para acabarmos com a ilusão da unidade lingüística no Brasil. Como base para essa reflexão temos algumas obras de Marcus Bagno (2002) e uma obra de Edgar Morin (2000).

Preconceito Lingüístico e Conhecimento

A principal causa para o preconceito lingüístico é: o mito da unidade lingüística no país, pois pensamos que o brasileiro não sabe falar português. Achamos que o português é muito difícil, que as pessoas têm pouca instrução falam tudo errado e que é preciso saber gramática para falar bem e dominar o português padrão.
O mito citado só favorece a variante padrão da nossa língua e reforça o preconceito com relação a outras variantes, pois sabemos que a linguagem pode ser utilizada como meio de discriminação. Muitos preconceitos são vinculados por meio dela, mas esse ponto que estamos tratando é do falante ser excluído por falar do modo que fala.
O conhecimento de cada falante é representado por meio da linguagem e do pensamento e por isso temos de levar em conta a sua visão de mundo, ou seja, os seus princípios de conhecimento.
Devido à pluralidade cultural que há no Brasil é possível que uma cultura se coloque dominante (elite) sobre outras que erroneamente se encaixem em posição inferior, como ocorre em toda sociedade, mas reconhecer a diversidade cultural que é relativa a tudo que é humano. A mistura de culturas acaba derivando um anseio de desapreço e menosprezo a tudo o que não seja precisamente ao que é considerado como norma e padrão. Supomos que, muitas vezes, existe a consciência de um processo de imposição de valores culturais, esquecendo que os indivíduos têm seu conhecimento de mundo e agem e pensam segundo os seus paradigmas.
É indispensável afirmar que todo menosprezo a essa diferença é considerado preconceito. Podemos subentender que a aceitação a essa diferença poderia ser um meio de combate ao preconceito. Deste modo, o preconceito lingüístico tem relação com o fanatismo entre a distinção lingüística resultante das diversas culturas que temos em todo território brasileiro. Talvez, este seja um dos piores pontos do preconceito por não aceitar a fala do outro. Deste modo, estamos rejeitando a nossa cultura e a cultura em que o falante está inserido, assim, menosprezando toda a sua história de vida e esse erro muitas vezes ocorre devido às diferenças sociais e culturais.
Segundo o lingüista, Marcus Bagno (1999) a noção de correto é imposta pelo ensino tradicional da gramática normativa, que origina um preconceito contra as variedades não-padrão:

[...] O preconceito lingüístico está ligado em boa medida à confusão que foi criada no curso da história entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua. (BAGNO, 1999:9)

O preconceito lingüístico tenha surgido pela confusão que foi feita ao longo do percurso da nossa história entre gramática e língua. A sociedade elitizada e escolarizada considera que a língua que não é gramaticalizada deve ser considerada errada, mas sabemos que a língua não é a gramática. Ela vai muito, além disso, e não fica presa a regras. O mesmo ocorre com o português padrão: nenhum falante da norma padrão utiliza todas as regras. Porém, a sociedade criou um ideal de língua considerando somente o português padrão e menosprezando as outras variações e compreender que o ser humano é uma unidade de diversidade talvez fosse um dos caminhos para repudiar esse preconceito.
Na verdade, o preconceito lingüístico é somente um disfarce para o preconceito social, pois, normalmente, não é a língua da pessoa que é discriminada, mas a própria pessoa. Podemos considerar essa atitude como preconceito porque a lingüística atual tem comprovado, cientificamente, que todos os jeitos de falar uma língua são lógicos, coerentes e seguem regras sistemáticas. Há uma razão para as pessoas falarem da forma que falam, porque obedecem às normas que estão gravadas na sua mente.
Na gramática podemos encontrar várias determinações do que é “certo” e o que é “errado” no uso da língua. Já para a ciência lingüística, a gramática é o conjunto de regras que governam o funcionamento de uma língua, mas hoje com tantas mudanças, pois a língua acompanha todas as mudanças sociais, históricas, ou seja, a língua segue o rumo da humanidade, tornando a nossa gramática algo artificial, porque justamente aquele conjunto de “leis” arbitrariamente elaboradas, que se baseiam em pontos de vista “certo” e de “errado” que não tem tanto apoio na realidade.
A língua é baseada na realidade do falante e da sociedade em que ele vive, pois desde criança já temos uma gramática fixada em nossa mente de acordo com o contexto em que vivemos a gramática existe para descrever o funcionamento da língua e não para dizer como ela deve ser e hoje temos de priorizar as teorias críticas, abertas, racionais para podermos sair dessa ilusão e mudar esse cenário de preconceitos.
A linguagem faz parte da sociedade e a uma das formas de melhorar esses aspectos discriminativos seria propondo uma democratização na linguagem, mas para isso seria preciso modificar democraticamente também toda a sociedade, em todos os seus aspectos. Lutar para combater o preconceito lingüístico por meio de uma mudança de atitude por todos da sociedade seria uma das saídas para pelo menos melhorarmos um pouco essa situação.
Reverter esse quadro seria uma mudança democrática e como muita atitude com relação à sociedade, cada cidadão deve estar consciente do que é a variedade lingüística e banir a idéia de que brasileiro não sabe português e que o português é muito difícil.
Acabar com a idéia de que só há a língua portuguesa no Brasil, o que podemos considerar um dos motivos que dão origem ao preconceito, podendo ser o desconhecimento da realidade.
No Brasil, o preconceito lingüístico não passa de uma injustiça, pois não há muita diferença entre o português culto e o português popular, porque a nossa sociedade é muito ativa, as pessoas interagem entre pessoas de outras regiões outros países. Mas podemos pressupor que o português popular ou português não padrão é muito mais dinâmico, já que não segue todas as regras gramaticais essa língua nos mostra o futuro do que virá a ser a língua portuguesa.
O português culto ou português padrão não possui variedades, apesar do falante desta variação também não respeitar todas as normas, como a concordância verbal e nominal. A norma padrão é mais redundante e não possui o dinamismo do português não-padrão que é livre e criativo.
A norma culta é um reflexo do passado, já a língua popular é a língua que mostra o futuro, mas não podemos nos esquecer de que a língua padrão é o nosso modelo de língua e ela leva vantagem em argumentações e exposições de idéias.
O Brasil possui uma nação heterogênea, com falares diferenciados, e a tendência da linguagem padrão será não se distanciar tanto da norma popular.
A escola tem que continuar a desempenhar o seu papel de tentar promover o cidadão ensinando a norma culta, mas poderia fazer primeiramente o aluno refletir sobre a língua, pois as variações não devem substituir a norma padrão, elas têm que se cruzarem, às vezes, mesmo seguindo caminhos diferentes.
A língua falada pelos brasileiros aponta e apresenta diversos fatores culturais, conceitos e preconceitos ainda existentes, como já dissemos, e nenhum destes aspectos pode ser deixado de lado, lembrando que há muitos fatores históricos não só lingüísticos.
O mito da unidade lingüística é uma negação da diversidade lingüística, que representa em parte o preconceito da sociedade, não se pode dizer que uma região ou uma classe social fala melhor ou mais certa do que a outra, pois todas falam diferentemente corretas. As diferenças lingüísticas mostram apenas que o Brasil possui diferentes formas de expressão, não havendo basicamente uma hierarquização de valores lingüísticos. Pressupor que esse preconceito lingüístico não passa de um choque cultural, entre as pessoas, e os tempos históricos em que vivem. Por isso, quando se trata de uma variação regional, não há uma que seja o padrão da língua portuguesa, pois todas possuem as suas características particulares e cada falante tem de respeitar o linguajar do outro.
As pessoas que utilizam o português não-padrão possuem os seus conhecimentos e não reconhecer, aceitar esse fato, mostra que a falta de conhecimento não é do falante de português-não-padrão, mas de quem não admite isso e esse não reconhecimento leva a nossa sociedade ao erro e conseqüentemente a ilusão de uma língua homogênea.
Ensino e Preconceito Lingüístico

Relacionar o preconceito lingüístico com a educação escolar e a dominação de classe.A linguagem é um fenômeno social e está ligada ao processo de dominação, pois tem mais influência social aquele que mais a fala se aproxima da língua culta, tal como o sistema escolar, que é a fonte da "dominação lingüística".
Linguagem e educação estão entrelaçadas com os processos de dominação. Contudo a fonte do preconceito lingüístico é a língua escrita ensinada na escola que se torna a língua padrão, então acaba se tornando a norma geral que todos devem seguir, mas o modelo desta língua está nos setores elevados e dominantes da sociedade. Com esses indicíos, a escola também é grande colaboradora para o surgimento do preconceito lingüístico e, por meio deste, temos a reprodução das desigualdades sociais, sendo que o papel da escola é de conduzir o educando à lucidez e mostrar o caminho para identificar os erros, as ilusões e as "ofuscações" que a sociedade possui.
Na escola, o professor também pode ajudar, começando a pensar sobre a não-aceitação de dogmas e adotando uma postura crítica em relação à norma culta, tranqüilizando o aluno que tem medo de errar, mostrando que usar a língua, tanto na modalidade oral como na escrita, é encontrar o ponto de modéstia entre as linhas, da adeqüabilidade e o da aceitabilidade, desta forma transmitindo o ensino da língua sem preconceitos e discriminações.
Não só a escola, mas todas as instituições voltadas para a educação e a cultura devem abandonar o mito da unidade lingüística e reconhecer a grande diversidade que o país possui e, deste modo, parar de pensar que qualquer manifestação lingüística que fuja do triângulo escola - gramática – dicionário é “errada”.

[...] E a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da sua própria auto-estima lingüística: recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber lingüístico individual de cada um de nós. Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar que brasileiro não sabe português, que português é muito difícil, que os habita. Acionar o nosso senso crítico toda vez que nos deparamos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes. (BAGNO, 1999:115)

Para mudarmos esse fato, tem de ocorrer uma mudança de atitude. Esse artifício de mudarmos a consciência do povo brasileiro deve ser feito com o intuito de acabarmos com o que prejudica e difama a nossa diversidade cultural. Por isso, contar com todas as instituições voltadas à educação, que deveriam fazer o discurso de aceitação a essas diferenças culturais reconhecendo que tudo não passa de uma herança cultural.
A peça fundamental nas instituições de ensino são os professores que precisam se conscientizar e conscientizar os seus alunos sobre a existência do preconceito lingüístico. Isso só poderá ocorrer se cada educador se dedicar de forma séria e comprometida com o estudo da variação lingüística, ou seja, uma boa formação em sociolingüística faz com que, a partir do estudo deste assunto, elaborem novas estratégias para lidar com essa situação em sala de aula.
O conceito de variação é importante, e o que o professor pode criá-lo e não se deixar induzir pelos conceitos já concebidos pela sociedade. Então, distinguir o valor da língua padrão, mas também reconhecer o direito que as pessoas têm de falar do jeito que falam, de usar as suas variedades locais, regionais e sociais.
O homem é um ser complexo e que essa complexidade deveria ser um objeto de estudo, mas talvez a fragmentação do ensino dificulte este conhecimento e até a criação de uma consciência referente ao ser humano que é social, individual e histórico.
O ensino básico e superior, além de transmitir conceitos e de dar um currículo ao educando, também têm que preparar para a vida com projetos que visem os valores e não os prepare somente para o mercado de trabalho, mas também para a vida social e cultural. Deste modo, respeitaríamos mais o outro, o seu linguajar e a sua cultura.
Segundo Morin (2000), a missão da educação é de ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade moral e intelectual da humanidade, mas apesar dos avanços tecnológicos, a incompreensão entre povos de mesma cultura e origem ainda prevalecem.
Como educadores devemos valorizar a troca de conhecimentos e a interdisciplinaridade para que possamos ensinar a nossos alunos a conviver, a fazer e a conhecer as forças globais que influenciam as suas vidas, assim visando um saber diferente em que o aluno possa adquirir valores, princípios para conviver em sociedade, com isso passará a valorizar o próximo e sua realidade (cultura), enfim o “mundo” em que vive.
Conclusão

O preconceito lingüístico no Brasil ocorre muitas vezes por falta de instrução de quem o comete, tornando a norma padrão mais valorizada e as outras inferiores.
Para banirmos o preconceito lingüístico devemos democratizar a sociedade, mas para isso seria necessária uma conscientização, mostrando que essas variações não passam de uma herança cultural e continuar discriminando as variações lingüísticas, só nos faz negar a nossa identidade cultural.
Assim, apenas a língua padrão é tida como "legítima" pelo sistema que organiza a sociedade, e elementos que justificam a respeito da variante não-padrão, como os apresentados ao longo do trabalho são desconsiderados, por esse motivo a variante não-padrão continua, ainda, passível de preconceito.
Por meio dos estudos lingüísticos e com a ajuda da sociolingüística essas variantes no futuro não sejam mais vistas como "feias", "impróprias", "engraçadas", "erradas" e "pobres", passem a ser vistas como algo que não diminui a nossa língua, mas que acrescenta e que a sociedade possa notar a riqueza lingüística que essas variações realmente possuem.
Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo:Loyola,1999.

_____________ . Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2002.

_____________ . Preconceito Lingüístico.2003. Atualizada em:11mar.2003. Acesso em 04 out. 2006. Disponível em

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.